Crepúsculo Dos Condenados ( NOVEL) - capitulo 10: O Peso das Rosas
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Capítulo 10: O Peso das Rosas
Em sonhos pesados, Julieta era arrastada para um passado que jurara enterrar. Uma voz suave cantava, um eco de dias gentis. Dedos carinhosos deslizavam por seus cabelos infantis, e ela via sua mãe — olhos âmbar brilhando como luas cheias, cabelos castanhos caindo em ondas macias. No pescoço, um relicário dourado capturava a luz de uma tarde perdida.
— Julieta, venha, minha querida — chamou a mulher, levantando-se com um vestido branco que parecia dançar com o vento. Ela parou junto à janela, apontando o jardim abaixo. — Veja as rosas negras. Não são belas?
A pequena Julieta hesitou, abraçando os próprios braços.
— São bonitas, mãe… mas machucam.
A mulher ajoelhou-se, o sorriso sereno aquecendo o coração da filha.
— Elas ferem para se proteger, meu amor. Florescem após o inverno, mais fortes na primavera. Você também vai florescer, Julieta, e será vista por quem souber te amar.
— Mas eu não sou como elas — murmurou a menina, a voz tremendo. — Se fosse, papai me amaria como você ama essas rosas.
Antes que a mãe respondesse, o mundo desmoronou. O céu sangrou em vermelho, e o rosto sereno da mulher se contorceu. Uma espada atravessou seu estômago, o sangue escorrendo como tinta. Sua pele empalideceu, os braços se estenderam em fios grotescos, e uma voz gutural rasgou o silêncio:
— A culpa é sua! Sua por nascer sem mana! Sua por ser fraca!
Julieta gritou, correndo para a janela. Saltou, mas o chão se abriu num mar de rosas brancas que escureciam, os espinhos a envolvendo como garras.
Crac! Um trovão a arrancou do pesadelo. Julieta despertou ofegante, o rosto molhado de lágrimas. A chuva batia na janela, um murmúrio cruel do passado. Ela abraçou os joelhos, a voz tremendo no escuro.
— Por que agora, mãe? — sussurrou. — Pensei que seria como suas rosas… mas sou só uma sombra, à mercê do destino. A culpa é minha… por nascer assim.
A manhã nasceu envolta numa neblina gélida, tão espessa que abafava o canto do galo e embaçava as janelas da mansão. João se agarrava à coberta quente, o corpo pesado, como se o confronto com Ruberyus tivesse sido apenas um delírio. Ele virou de lado, resmungando, relutante em enfrentar o dia.
Julieta, já pronta, ajustava o avental preto sobre a blusa branca, os babados da saia roçando o chão. Seus olhos fundos e avermelhados traíam a noite mal dormida, mas ela se aproximou da cama com determinação.
— João, acorda! — disse, cutucando o ombro dele. — O sol já nasceu, e você tem treino com o Sr. Ivan.
— Humm… cinco minutos — murmurou João, enterrando o rosto no travesseiro.
Julieta cruzou os braços, o tom firme, mas com um toque de carinho.
— Levanta agora, ou quer irritar o Sr. Ivan? Sem contar a apresentação aos outros servos. Anda, preguiçoso!
João abriu um olho, a realidade voltando como um soco. Treino. Masmorras. Santana. Ele se sentou rápido, esfregando o rosto.
— Tá bom, tá bom! Já levantei.
Julieta apontou para uma pilha de roupas na cômoda: uma blusa branca leve, calça preta e luvas marrons.
— Já separei isso pra você. Não precisa me agradecer.
João sorriu, vestindo-se com pressa.
— Mesmo assim, valeu, Ju. Sério. — Ele hesitou, notando as olheiras dela. — Ei, você tá bem? Parece que não dormiu nada.
Julieta desviou o olhar, mexendo no avental.
— Foi só um pesadelo. Nada de mais. Tô acostumada.
— Certeza? — insistiu João, franzindo a testa. — Se quiser, posso te ajudar com as tarefas hoje. Você tá com cara de quem precisa de um café.
Ela riu baixo, mas o som era frágil, como vidro trincado.
— Não precisa, João. Eu dou conta. Quem tá me preocupando é você. As masmorras… elas não são brincadeira.
João olhou para a janela, o vidro embaçado pelo frio. A neblina se dissipava, mas um vazio crescia dentro dele. Ontem, ele enfrentara Ruberyus. Hoje, parecia perdido num mar sem fim.
— Sabe, Julieta… eu não faço ideia do que tô fazendo aqui. É como estar num barco à deriva, sem mapa, sem terra à vista.
Ela o encarou, os olhos âmbar suavizando.
— Então, apenas reme, João. Não precisa entender tudo agora. Às vezes, viver é só… continuar. Uma hora, você acha o caminho.
João piscou, as palavras dela ecoando como algo que sua mãe diria. Ele a puxou num abraço rápido, surpreendendo-a.
— Valeu, Ju. Vou pensar nisso.
Julieta corou, empurrando-o de leve.
— Tá, tá, agora me solta antes que eu te jogue pela janela!
A porta se abriu com um rangido, e Ivan irrompeu no quarto, os olhos arregalados. Sua barba grisalha tremia, o rosto pálido como se tivesse visto um fantasma. Ele correu para Julieta, segurando-a pelos ombros.
— Você está bem, pequena? — perguntou, a voz rouca, examinando-a como um pai em pânico.
Julieta cambaleou, confusa.
— Tô bem, Sr. Ivan. O que houve?
Ivan respirou fundo, o alívio misturado à raiva.
— Ouvi rumores… sobre Ruberyus. Se aquele moleque tocou em você, juro que ele não vê o próximo amanhecer.
— Calma — disse Julieta, tocando o braço dele. — Ele tentou, mas João me protegeu. E a Srta. Amélia chegou a tempo. Estamos bem.
Ivan lançou um olhar afiado para João, como se o avaliasse pela primeira vez.
— É verdade, garoto? Você enfrentou um Santana por ela?
João engoliu seco, mas sustentou o olhar.
— Fiz o que precisava, senhor. Não podia deixar aquilo acontecer.
Ivan assentiu, um brilho de respeito nos olhos.
— Bom. Então não esqueça nosso treino. Vamos, temos muito a fazer.
— Espera! — interrompeu Julieta, remexendo no bolso do avental. Ela tirou um colar com um medalhão dourado, hesitando antes de estendê-lo a João. — É pra você. Por ontem… por me salvar.
João piscou, surpreso. O medalhão parecia vivo sob a luz fraca, e algo nele o fez lembrar das palavras de Amélia: “Não se arrependa de suas escolhas”. Ele olhou nos olhos de Julieta, vendo uma mistura de gratidão e peso.
— Ju, eu só fiz o que era certo — murmurou, mas pegou o colar, sentindo seu calor na palma. — Tá bom, aceito. Mas só porque você tá insistindo.
Julieta sorriu, um raro momento de leveza.
— Agora vão, os dois! — disse, empurrando-os para a porta. — Tenho quartos pra arrumar, e vocês tão atrapalhando.
Ivan riu, mas João notou o olhar dela, que parecia esconder algo. Quando a porta se fechou, Julieta encostou-se nela, o sorriso desvanecendo. Ajoelhou-se ao lado da cama e puxou um florete prateado, os ornamentos florais brilhando à luz.
— Ainda bem que não viram, mãe — sussurrou, os dedos apertando o cabo. — Quando vou florescer como você disse? Essa fraqueza… ela me sufoca.
Ivan guiava João pelos corredores, as armaduras antigas observando em silêncio. João notava a postura de Ivan — ombros largos, passos firmes, como se ainda carregasse o peso de um espadachim lendário. A barba grisalha e os cabelos brancos não escondiam o brilho afiado em seus olhos.
Enquanto passavam por um espelho, João sentiu um arrepio. Por um instante, olhos rubros brilharam no reflexo, mas ao virar-se, só havia sombras.
— Algo errado? — perguntou Ivan, semicerrando os olhos.
— Nada… só o frio — mentiu João, o coração disparado.
Eles pararam diante de uma porta de madeira, polida pelo tempo, mas sólida. Ivan a abriu, revelando um pátio em ruínas que parecia pulsar com vida. O ar cheirava a suor e ferro. Guerreiros treinavam em grupos: espadas colidiam com faíscas, lanças cortavam o ar, e magos conjuravam chamas que dançavam como espectros. No canto, arqueiros miravam alvos distantes, enquanto outros lutavam corpo a corpo, os golpes ecoando como trovões.
João ficou parado, o coração acelerado. Era como entrar num sonho — ou num pesadelo. Ele avistou uma escadaria descendo para as sombras, uma entrada que parecia engolir a luz. As masmorras, talvez.
— É aqui que vou te forjar, João — disse Ivan, a voz grave. — Mas antes, me diga: qual é a sua ambição?
João hesitou. Ambição? Até ontem, ele só queria sobreviver. Mas agora, algo maior queimava dentro dele.
— Quero poder — respondeu, os olhos brilhando. — Não pra oprimir, mas pra proteger quem amo. E… quem sabe, voltar pra casa como alguém melhor.
Ivan sorriu, um orgulho sutil no rosto.
— Um sonho raro. A maioria busca poder pra dominar. Você quer crescer. Vamos começar, pupilo. Faça sua pergunta.
João respirou fundo, a determinação crescendo.
— Qual é o sistema de poder deste mundo?
Enquanto suas palavras ecoavam no pátio, um corvo negro alçou voo da escadaria sombria, suas asas cortando a neblina como lâminas. Ele voou alto, sobre as torres retorcidas da mansão Santana, até pousar no parapeito de uma janela estreita. Lá dentro, um escritório engolido por sombras aguardava, iluminado apenas pelo brilho esverdeado de velas que tremulavam como olhos vivos.
Amélia estava sentada à mesa, imóvel, a beleza fria de seu rosto refletida num espelho oval. O objeto era uma relíquia antiga, com moldura de prata entalhada em rosas entrelaçadas, um rubi pulsando em sua base como um coração preso. Seus olhos esmeralda fixavam o vidro, mas não viam seu próprio reflexo — viam além, onde segredos se escondiam.
Uma luz líquida, fria como a lua, emanou do espelho. A superfície ondulou, e um rosto emergiu: olhos verdes-escuros, cabelos pretos cortados com precisão, traços marcados pela idade e pela guerra. O Duque de Santana a encarava, o som de cascos e o ranger de uma carruagem ecoando ao fundo, como se ele cavalgasse pela noite.
— Filha — disse ele, a voz grave, mas com um toque de cansaço —, como está a mansão? Alguma novidade para seu velho pai?
Amélia inclinou a cabeça, os lábios curvando-se num sorriso que não alcançava os olhos.
— Tudo sob controle, pai. Exceto por Ruberyus, que insiste em manchar nosso nome com sua… impulsividade. Contratei um novo servo para limpar as masmorras. Nada além disso.
O Duque franziu o cenho, o olhar vagando para algo fora do espelho.
— Ruberyus… — murmurou, quase para si mesmo. — Quando eu voltar, ele vai aprender o peso de suas ações. Onde errei com aquele menino?
Antes que Amélia pudesse responder, um rugido distante cortou o ar. O espelho capturou um clarão — o brilho de uma espada sendo desembainhada, o vulto do Duque saltando da carruagem para a escuridão. A conexão se rompeu com um estalo, e o rubi escureceu, deixando apenas o silêncio.
Amélia permaneceu imóvel, os dedos traçando o contorno do espelho. Então, levantou-se, a saia verde-escura roçando o chão como um sussurro. Ela caminhou até a janela, os olhos fixos no pátio abaixo, onde João e Ivan desapareciam entre os guerreiros. Um brilho cruel dançava em seu olhar.
— Você nunca foi um pai, apenas um mito — sussurrou, a voz afiada como uma lâmina. — Sua glória é uma mentira, construída sobre sangue e correntes. Silas trama nas sombras com seus aliados de presas longas, Ruberyus é um fantoche quebrado desde criança. E eu… eu sou a única que vê a verdade.
Ela voltou ao espelho, o rubi pulsando novamente, como se respondesse à sua raiva. Seus dedos apertaram a borda da mesa, a madeira gemendo sob a pressão.
— Passei anos decifrando os segredos do cofre, estudando os pergaminhos proibidos. O Crepúsculo não será mais uma lenda selada. Com ele, destruirei seu reino podre e aqueles que o sustentam. Meus aliados já se movem… mas esse garoto…
Amélia hesitou, o nome “João” pairando em sua mente como uma nota dissonante. Ela voltou ao pátio com o olhar, mas ele já não estava lá. Por um instante, o espelho tremeu, e uma sombra passou por sua superfície — não um rosto, mas um par de olhos rubros, idênticos aos que João vira no corredor. Eles a encararam, e ela recuou, o coração disparado.
— Quem é você? — murmurou, a voz quase engolida pelo silêncio.
O rubi brilhou uma última vez, e a sombra desvaneceu. Amélia cerrou os punhos, o eco de sua própria pergunta queimando em sua mente. Lá fora, a neblina se adensava, engolindo a mansão como um véu sobre um segredo prestes a ser desvendado.